domingo, 28 de setembro de 2008

Metade - Ferreira Gullar

"Que a força do medo que eu tenho,não me impeça de ver o que anseio.
Que a morte de tudo o que acreditonão me tape os ouvidos e a boca.
Porque metade de mim é o que eu grito,mas a outra metade é silêncio…
Que a música que eu ouço ao longe,seja linda, ainda que triste…
Que a mulher que eu amoseja para sempre amadamesmo que distante.
Porque metade de mim é partida,mas a outra metade é saudade.
Que as palavras que eu falonão sejam ouvidas como precee nem repetidas com fervor,apenas respeitadas,como a única coisa que restaa um homem inundado de sentimentos.
Porque metade de mim é o que ouço,mas a outra metade é o que calo.
Que essa minha vontade de ir emborase transforme na calma e na pazque eu mereço.
E que essa tensãoque me corrói por dentroseja um dia recompensada.
Porque metade de mim é o que eu penso,mas a outra metade é um vulcão.
Que o medo da solidão se afastee que o convívio comigo mesmose torne ao menos suportável.
Que o espelho reflita em meu rosto,um doce sorriso,que me lembro ter dado na infância.
Porque metade de mimé a lembrança do que fui,a outra metade eu não sei.
Que não seja precisomais do que uma simples alegriapara me fazer aquietar o espírito.
E que o teu silênciome fale cada vez mais.
Porque metade de mimé abrigo, mas a outra metade é cansaço.
Que a arte nos aponte uma resposta,mesmo que ela não saiba.
E que ninguém a tente complicarporque é preciso simplicidadepara fazê-la florescer.
Porque metade de mim é platéiae a outra metade é canção.
E que a minha loucura seja perdoada.
Porque metade de mim é amor,e a outra metade…também "

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